quarta-feira, 17 de abril de 2024
Cultura: Tongue-in-cheek vs. Straight Face
quinta-feira, 11 de abril de 2024
Haters do YouTube
Do vídeo sobre Idealismo Corrompido:
Claro que meus vídeos tiveram pouco alcance. Alguém com centenas de milhares de seguidores certamente deve receber críticas de pessoas mais interessantes. Mas essa experiência já serviu pra mostrar que aquela noção que eu tinha, que seria confrontado por argumentos fortes e válidos sempre que postasse algo impopular, se provou algo muito mais hipotético do que eu poderia ter previsto.
terça-feira, 9 de abril de 2024
A Primeira Profecia
Estreia notável da diretora Arkasha Stevenson, que só tinha dirigido curtas e séries de TV até agora. O filme não é livre dos clichês irritantes do gênero — as alucinações que só servem pra gerar um jump-scare inútil, os desenhos infantis que sempre revelam algo sinistro etc. — só que o resto do filme é tão autêntico pros padrões atuais, tão cheio de detalhes e decisões ousadas, que você conclui que esses clichês devem ter vindo mais das exigências do estúdio do que de uma falta de imaginação da própria cineasta. Nas mãos de um diretor mais comum, o filme seria apenas o que ele aparenta ser à distância — mais uma produção de "pedigree" duvidoso que só existe pra lucrar em cima de uma franquia popular. Mas em vez de entrar no piloto automático, Arkasha Stevenson (que me parece acima do material artisticamente) decidiu levar o filme a sério e aproveitar a oportunidade pra mostrar seu potencial como realizadora. A primeira coisa que me chamou atenção foi que o filme traz uma epistemologia bem mais racional que de costume pro gênero. Não há aqui, por exemplo, aquele clima tenebroso constante que dá a impressão que os personagens já sabem desde o início que estão num filme de terror. Há diálogos descontraídos e até bem humorados na introdução, que criam um universo crível e personagens mais fáceis de gostar. A religião também é mostrada por uma lente mais real — a igreja aqui existe dentro de um contexto político/histórico reconhecível, está sujeita a erros, corrupções, as noviças são mostradas como jovens devotas, mas que ao mesmo tempo questionam a igreja em certas áreas, têm vida privada, impulsos sexuais normais etc. O elenco também é um destaque. A protagonista Nell Tiger Free está muito bem, mas me chamaram a atenção especialmente alguns coadjuvantes como a amiga dela interpretada pela Maria Caballero — uma atriz com uma presença marcante e um rosto que a tornaria perfeita para um biopic da Elizabeth Taylor ou da Viven Leigh. Sônia Braga como freira do mal foi outra escolha de casting inusitada que funcionou melhor do que se poderia esperar. O material não permite que a cineasta salve completamente o filme, mas mesmo os clichês ela faz uma espécie de alquimia cinematográfica pra tentar transformar em algo mais interessante. Há uma cena de parto, por exemplo, que acaba não passando de uma dessas alucinações bobas — mas que apresenta uma das imagens mais horríveis (no bom sentido) que vi no terror recentemente. Em outro momento, a personagem precisa ficar fazendo aqueles contorcionismos nonsense de mulher possuída, e a cena poderia muito facilmente ter caído no ridículo, pois dura vários segundos e foi filmada em plano aberto, com poucos cortes, o que evidencia qualquer defeito. Mas a cena acaba funcionando por conta da direção cuidadosa, e se tornando até intrigante do ponto de vista técnico/"coreográfico". Acabei procurando uma entrevista depois com a Arkasha Stevenson pra saber quem era ela, e o que ouvi só confirmou minha impressão de que o filme, apesar dos problemas, tinha sido feito por um cineasta mais inteligente e autêntico que a média, com boas premissas cinematográficas (o oposto do que senti quando vi entrevistas com o David Gordon Green depois de O Exorcista: O Devoto).
The First Omen / 2024 / Arkasha Stevenson
Satisfação: 7 (Idealismo Imperfeito)
segunda-feira, 1 de abril de 2024
Smartphones, Redes Sociais e o Declínio Cultural
sexta-feira, 29 de março de 2024
Quiet on Set: The Dark Side of Kids TV
Série documental que expõe uma série de abusos que ocorreram nos bastidores da Nickelodeon nos anos 90 e 2000. Eu vi os 4 episódios em uma tacada só (foi anunciado que um episódio extra será lançado em breve), o que mostra que o documentário é no mínimo bem feito no sentido de ter uma narrativa que prende a atenção. Mas depois de ver a série toda, eu acabei revendo o 1º episódio, e constatei que muito dessa atenção foi capturada de forma desonesta pela série, que promete revelações gravíssimas (especialmente a respeito do produtor Dan Schneider) que no fim não são exatamente o que se espera.
A série mostra pelo menos 1 caso indiscutível de pedofilia — que envolve o assistente de produção Jason Handy, que enviou fotos explícitas pra uma atriz-mirim de apenas 11 anos — e isso dá bastante credibilidade pro documentário. Outro caso claro de abuso é o do ator Drake Bell, que é o que vem ganhando mais repercussão na mídia, embora eu coloque o caso dele mais numa categoria de assédio/estupro do que de pedofilia exatamente, pelo simples fato dele ter 15 anos na época (já ter passado pela puberdade). Esta é uma diferenciação polêmica de ser feita, pois um estuprador e um abusador de crianças são ambos imorais, e diferenciá-los faz parecer que você quer "passar pano" para um ou para outro. Mas acho que há uma diferença significativa entre os dois casos que a mídia frequentemente gosta de ignorar: alguém que tem desejo sexual por uma criança — um ser não-sexual biologicamente, que tem uma confiança inocente nos adultos por nem ter concepção ainda do que é sexo — é naturalmente visto como alguém doentio. Culturalmente, a figura do pedófilo tem uma aura meio satânica que parece exclusiva desse tipo particular de distúrbio. Nem mesmo terroristas às vezes são vistos pela sociedade de maneira tão desumana.
E pra mim o grande problema da série é a maneira como ela pega "emprestada" esta aura satânica da pedofilia (que só existe nesse contexto específico de um adulto abusando sexualmente de uma criança) pra colorir uma série de outras acusações — algumas que nada têm a ver com abuso — e dar a impressão que elas vêm do mesmo lugar.
Desde o início, a série define Dan Schneider como o grande vilão da história: o produtor todo-poderoso que aparentemente será exposto como o Harvey Weinstein da Nickelodeon. Mas o que o documentário tem pra apresentar contra Schneider não é nem de longe tão grave quanto esses outros casos que são apresentados ao longo da série. No primeiro episódio, há uma clara insinuação de que Schneider teria uma proximidade estranha com a atriz Amanda Bynes, e um bom trecho do documentário é dedicado à exploração dessa relação "suspeita". Considerando a gravidade dos outros casos, você assume que Schneider estaria molestando Bynes também, e que isso será revelado em episódios futuros. (Enquanto insinuações desse tipo são feitas, a edição frequentemente insere fotos de Schneider na tela, sempre sorrindo, mas sob uma luz pouco lisonjeira e com uma música sinistra de fundo, aproveitando o Efeito Kuleshov pra transformar sua expressão na de um velho safado.)
(SPOILERS) Só que nunca é dito que Schneider abusou sexualmente de Bynes nem de qualquer outra pessoa. As acusações contra ele envolvem principalmente comportamentos tóxicos no set, geralmente envolvendo mulheres da equipe (o hábito dele de pedir massagem nas costas, ou de fazer piadas sexuais desrespeitosas) e também o senso de humor duvidoso de seus programas, que frequentemente colocavam crianças em sketches com conotação sexual. Mas tudo isso pra mim cai na categoria "coisas sem-noção dos anos 90". Não estou dizendo que essas coisas eram apropriadas, mas se você for analisar os anos 90/2000 sob a ótica do que é considerado correto hoje, muita coisa vai parecer um absurdo completo, do Programa Silvio Santos ao Xou da Xuxa.
E se você conviveu nos bastidores da TV/cinema/publicidade naquela época, você sabe que o tipo de comportamento denunciado pelo documentário era absolutamente típico. Não há nada de especial no caso de Schneider que o faça parecer uma anomalia pra época. Ainda assim, o documentário mostra tudo que havia de desagradável naquele ambiente de trabalho com o mesmo tom satânico que discute abusos de crianças — até coisas que nem erradas são, como o simples fato de algumas crianças serem cortadas dos programas depois que perdiam relevância ou ficavam velhas demais pro papel (frustrações que qualquer um no showbusiness precisa enfrentar).
Há também o caso da roteirista que descobre estar trabalhando por um salário menor que o estabelecido pelo sindicato dos roteiristas (embora ela tivesse concordado com o salário) e usa isso em um processo contra Schneider — algo que só é antiético pra quem acha que o poder do WGA é absolutamente ético.
Ou seja, o documentário tem coisas relevantes pra denunciar, não é 100% desonesto, só que em muitos momentos ele se torna mais um desses documentários com viés de esquerda que sabem que dá ibope manchar a reputação de empresas e pessoas de sucesso, especialmente essas que têm uma imagem pura e idealista — afinal, se você expõe casos de pedofilia no Talibã, ninguém te dá muita bola, mas se você pega a Disney ou a Nickelodeon e as associa a algo maléfico, cria-se um ar conspiratório que deixa todos fascinados.
Não há nada de surpreendente no fato de ambientes como o da Nickelodeon serem atraentes para pedófilos e eventualmente algum acabar se infiltrando — da mesma forma que não é surpreendente bancos serem ambientes atraentes pra assaltantes. É desonesto criar uma associação maléfica entre o ambiente e o criminoso, como se o propósito da instituição fosse facilitar o crime. Considerando que a Nickelodeon tem mais de 40 anos, os 2 casos de abuso registrados pela série não transformam o canal exatamente em um antro de pedófilos. Ainda assim, é possível que essa associação entre a Nickelodeon e pedofilia seja criada por causa do documentário e se mantenha por anos no imaginário popular, causando danos à empresa, da mesma forma que Blackfish (2013) mudou pra sempre a imagem do Sea World. Nesse sentido, a série se torna em si abusiva, algo que no futuro poderia virar tema de um documentário igualmente polêmico, expondo os horrores da cultura do cancelamento dos anos 20.
Quiet on Set: The Dark Side of Kids TV (2024)
quarta-feira, 27 de março de 2024
Testosterona vs. Autoestima
É importante diferenciar o que chamei de "masculinidade primitiva" na crítica de Matador de Aluguel (2024) de casos em que o filme projeta Autoestima, que é um dos pilares do Idealismo.
E o que diferencia um caso do outro é a presença ou a ausência de valores morais e de lógica na base da história.
Por exemplo: alguns filmes do James Cameron também têm bastante testosterona, tiroteios e frases de efeito que projetam um senso de invencibilidade, mas eles são superiores aos "macho filmes" típicos, desses estrelados por Charles Bronson, Van Damme ou Steven Seagal, pois a ação não é gratuita, não é divorciada de contexto narrativo, de plausibilidade, de objetivos positivos, e os one-liners são realmente merecidos pelos heróis: quando o Schwarzenegger diz "Hasta la vista, baby", não é a frase que tenta forçosamente engrandecer um personagem que não fez nada de realmente inteligente ou virtuoso. Neste caso, a sacada e a ação já são admiráveis em si, a frase é só a cereja do bolo.
Há 3 tendências comuns que pra mim caracterizam esses filmes de ação que são mais guiados por testosterona do que pelo cérebro:
- Luta e violência gratuitas, divorciadas de lógica, de valores morais, ideais positivos e de propósitos narrativos: os personagens estão o tempo todo entrando em brigas, batalhas, tiroteios (frequentemente motivados por ódio, vingança, por um senso distorcido de honra) e o espectador mal sabe dizer qual a necessidade do conflito, por que um lado é do bem e o outro é do mal (não é incomum ambos os lados serem corruptos).
- Delírios de grandeza: a ação e o senso de invencibilidade do personagem são divorciados de realismo, de uma caracterização convincente. O filme espera que você simplesmente aceite o personagem como o "melhor de todos os tempos", faça coisas impossivelmente exageradas, sem explicar o porquê, sem dar um contexto minimamente plausível para suas habilidades.
- Autoestima e masculinidade viram sinônimos — o filme se passa num mundo dominado por homens. Voltando aos filmes do James Cameron, quando a Sigourney Weaver diz "Get away from her, you bitch" em Aliens, Cameron a coloca na mesma posição do Schwarzenegger em T2, e a cena é igualmente convincente, o que prova que ele consegue pensar em Autoestima como um valor abstrato, aberto a todos os seres humanos. Já nesses filmes movidos a testosterona, feminilidade e força/habilidade são coisas incompatíveis. As mulheres tendem a ser passivas, indefesas, viram objetos sexuais vazios, tipo as que ficam rebolando nos rachas de Velozes e Furiosos (ou então viram homens praticamente, como nos filmes modernos que querem ser ao mesmo tempo macho-filmes e "inclusivos").
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Exemplos de filmes guiados mais por Testosterona:
Harakiri (1962) / 007 - A Serviço Secreto de Sua Majestade (1969) / Meu Ódio Será Sua Herança (1969) / Operação Dragão (1973) / Josey Wales, o Fora da Lei (1976) / Matador de Aluguel (1989) / Os Bons Companheiros (1990) / Velozes e Furiosos (2001) / 300 (2006) / Os Mercenários (2010) / John Wick (2014) / O Protetor (2014) / Resgate (2020) / RRR: Revolta, Rebelião, Revolução (2022)
Exemplos de filmes com testosterona porém guiados mais por Autoestima e valores Idealistas:
Rastros de Ódio (1956) / Spartacus (1960) / Yojimbo, o Guarda-Costas (1961) / Os Caçadores da Arca Perdida (1981) / O Exterminador do Futuro (1984) / Coração Valente (1995) / O Resgate do Soldado Ryan (1998) / Gladiador (2000) / Gran Torino (2008) / 007 - Operação Skyfall (2012) / Creed: Nascido para Lutar (2015) / Top Gun: Maverick (2022)
domingo, 24 de março de 2024
Março 2024 - outros filmes vistos
sexta-feira, 22 de março de 2024
Matador de Aluguel
O original de 1989 é o tipo de entretenimento burro, porém divertido, que as pessoas colocam na categoria de guilty pleasure. O que me faz simpatizar com o antigo é justamente sua ingenuidade, que sem querer acaba expondo a masculinidade primitiva da história (as racionalizações ligadas ao instinto de luta, ao sentimento de invencibilidade) como algo de fato infantil, não sofisticado, digno de riso (meu problema com John Wick / Equalizer é que eles conseguem em parte camuflar isso dando um verniz sério pra produção). O filme tinha a inocência de um garoto de 8 anos expressando esses delírios de grandeza ao brincar com bonequinhos de ação. Mas uma sociedade cínica e excessivamente autoconsciente como a atual não permitiria mais esse tipo de inocência. O filme, portanto, precisa anunciar que é "adulto" e que não se leva a sério. Há quem diga que o filme de 89 não se levava a sério, mas Patrick Swayze interpretava James Dalton com a mesma seriedade de um herói do John Wayne ou do Bruce Lee. O que fazia o filme parecer não-sério eram só os exageros da ação, que não tinham uma intenção cômica explícita, e eram percebidos apenas pelo espectador com senso crítico. Mas no remake, o James Dalton do Jake Gyllenhaal se mostra totalmente consciente do fato que ele está dentro de um guilty pleasure, e precisa ficar fazendo comentários autorreferenciais, soltando piadas incongruentes no meio da ação pra não correr o risco do espectador achar que o filme é de fato imaturo. O problema é que em vez de um garoto de 8 anos, o filme agora é como um adulto infantilizado brincando com bonecos de ação, mas ao mesmo tempo tirando sarro do jeito que garotos brincam. Enquanto o espírito genuinamente imaturo do original ainda tinha certo charme, produzia uma forma honesta de entretenimento (o filme pelo menos estava tentando simular virtudes como coragem, força, ainda que de forma desajeitada), a imaturidade autoconsciente do remake já não tem a menor graça. O que o remake realmente está tentando simular não é mais coragem, força, mas a ironia do Idealismo Corrompido — a atitude de autoparódia que, quando acompanhada de certa inteligência, pode resultar em filmes populares como Deadpool ou Kill Bill. Só que Matador de Aluguel (2024) é tolo na própria tentativa de simular essa ironia. As tentativas de piada, os one-liners péssimos e a atuação risível do Conor McGregor devem tornar o filme um forte concorrente pra Madame Teia no próximo Framboesa de Ouro. No máximo, Matador de Aluguel (2024) poderá funcionar como uma nova espécie de guilty-pleasure pro espectador moderno — não o filme que diverte porque queria ser Idealista e falhou de forma cômica no processo, mas o filme que queria ser Idealista Corrompido e foi igualmente malsucedido.
Road House / 2024 / Doug Liman