quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Outros filmes vistos - Dezembro 2018

Os últimos filmes vistos!

CINEMA:

Minha Vida em Marte (2018) - 6.0

Bumblebee (2018) - 4.0

O Retorno de Mary Poppins (2018) - 10.0

Colette (2018) - 5.5

Aquaman (2018) - 2.0





TV / ONLINE:

Black Mirror: Bandersnatch (2018) - 4.0

Won't You Be My Neighbor? (2018) - 6.5

The Christmas Chronicles (2018) - 7.0

Bird Box (2018) - 5.5

Roma (2018) - 4.0

Mogli: Entre Dois Mundos (Mowgli / 2018) - 3.5

Sorry to Bother You (2018) - 7.5

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Roma

Lançado pela Netflix (embora tenha sido exibido em alguns cinemas primeiro pra que pudesse ser elegível para o Oscar, festivais, etc), esse é o campeão da crítica de 2018, e o trabalho mais pessoal do mexicano Alfonso Cuarón (diretor de E Sua Mãe Também / Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban / Gravidade) que além de dirigir, escreveu, fotografou e co-editou o filme.

O filme retrata 1 ano da vida de uma empregada doméstica que trabalha pra uma família de classe média no México nos anos 70. No começo achei que fosse cair na categoria de produções nacionais como Que Horas Ela Volta?, O Animal Cordial, que se propõem a criticar os ricos, expor a maneira desumana como patrões tratam empregados, etc. O filme até flerta com isso, mas de maneira sutil - até porque Cuarón está falando da própria família: a personagem Cleo foi inspirada na empregada que ajudou a criá-lo na vida real, e 90% das cenas foram baseadas em suas memórias de infância. Felizmente, fica mais um clima de homenagem do que de crítica social.

É um daqueles filmes feitos pra agradar críticos, mas que provavelmente entediará boa parte do público (como eu). Embora seja tecnicamente admirável, obra de um cineasta que claramente domina suas ferramentas, ele pertence à escola Naturalista e vem com todas as chatices do gênero: ausência de enredo, cenas aleatórias que não levam a lugar nenhum, final inconclusivo, foco em pessoas comuns, situações cotidianas, na função social do cinema, etc. Não cai totalmente no tédio pois há sempre coisas inesperadas e às vezes até bizarras acontecendo (um homem nú lutando artes marciais, um terremoto numa maternidade), mas são coisas que apenas geram uma curiosidade momentânea, e não um interesse pela história como um todo. O foco acima de tudo aqui (inclusive acima das questões sociais) é a própria figura do diretor: seus interesses, suas memórias pessoais, suas idiossincrasias como cineasta (os aviões passando, o close na xícara quebrada, o homem fantasiado cantando no incêndio - há várias coisas no filme que só Cuarón mesmo sabe o propósito). Ou seja, o filme representa o Não Idealismo de maneira mais completa que a maioria dos filmes, pois ele combina elementos tanto de Naturalismo quanto de Subjetivismo: nos momentos Naturalistas, a prioridade do filme são as classes mais baixas, os empregados, a função social, etc, e nos momentos Subjetivistas, a prioridade é a expressão do universo pessoal do cineasta, do seu estilo, sua história de vida, etc. Nos 2 casos, o filme pede que o espectador abra mão de suas necessidades enquanto espectador, de seu desejo por narrativa, envolvimento, e exercite sua paciência em nome de algo "maior": em nome do artista, dos menos privilegiados, etc (o espectador fica sempre em segundo plano nesse tipo de filme - coisa que a crítica adora, afinal agradar espectador é coisa de blockbuster, não de filme "sério").

Lembra um pouco o cinema europeu dos anos 50 (o título Roma, que é o nome do distrito em que a família mora, já nos põe no clima de clássicos do neorrealismo italiano como Roma, Cidade Aberta, Mamma Roma, etc). Como disse, é um filme muito bem realizado no seu aspecto físico/técnico, mas que não empolgará muito quem, como eu, acreditar que um bom filme é aquele onde a técnica existe pra tornar a história mais envolvente, emocionar o espectador - e não apenas pra exibir o estilo do cineasta - uma virtude desconectada de propósitos narrativos.

Roma / México, EUA / 2018 / Alfonso Cuarón

FILMES PARECIDOS: Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016) / Que Horas Ela Volta? (2015) / Ida (2013) / O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006) / clássicos do Fellini, Vittorio De Sica, etc.

NOTA: 4.0

domingo, 25 de novembro de 2018

Outros filmes vistos - Novembro 2018

Os últimos filmes vistos!

CINEMA:

As Viúvas (Widows / 2018) - 8.0

Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman / 2018) - 5.0

Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald (Fantastic Beasts: The Crimes of Grindelwald / 2018) - 4.0

Bohemian Rhapsody (2018) - 8.0

A Casa que Jack Construiu (The House That Jack Built / 2018) - 7.5





TV / ONLINE:

O Animal Cordial (2018) - 2.0

Para Todos os Garotos que Já Amei (To All the Boys I've Loved Before / 2018) - 6.5

Eighth Grade (2018) - 7.5

First Reformed (2017) - 7.0

The Ballad of Buster Scruggs (2018) - 6.0

Upgrade (2018) - 7.0

Sem Rastros (Leave No Trace  / 2018) - 5.5

Filmworker (2017) - 7.0

O Culto (The Endless / 2017) - 5.0

Vai Anitta (TV Series / 2018) - 6.5

O Outro Lado do Vento (The Other Side of the Wind / 2018) - 4.0

Serei Amado Quando Morrer (They'll Love Me When I'm Dead / 2018) - 6.5

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Melhores de 2018

Uma lista dos melhores filmes de 2018 (até agora) na minha opinião!

Melhores Filmes

1. O Retorno de Mary Poppins - 10
2. Nasce uma Estrela - 8.5
3. Missão: Impossível - Efeito Fallout - 8.5
4. Com Amor, Simon - 8.5
5. Os Garotos Selvagens - 8.5
6. Bohemian Rhapsody - 8.0
7. Domando o Destino - 8.0
8. As Viúvas - 8.0
9. O Conto - 8.0
10. O Primeiro Homem - 7.5
11. Halloween - 7.5
12. Jurassic World: Reino Ameaçado - 7.5
13. Han Solo: Uma História Star Wars - 7.5
15. A Casa que Jack Construiu - 7.5
15. Aniquilação - 7.5
16. Eighth Grade - 7.5
17. Sorry to Bother You - 7.5

TV
Quincy - 7.5
Sharp Objects - 7.5

Mais:
Melhores de 2017
Melhores de 2016

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Outros filmes vistos - Outubro 2018

Tenho visto filmes normalmente mas sem postar crítica aqui. Essas foram as notas que dei para os últimos:

CINEMA:

Halloween (2018) - 7.5

Podres de Ricos (Crazy Rich Asians / 2018) - 7.0

O Primeiro Homem (First Man / 2018) - 7.5

Nasce uma Estrela (A Star is Born / 2018) - 8.5

Venom (2018) - 4.0







TV / ONLINE:

Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível (Christopher Robin / 2018) - 4.5

O Conto (The Tale / 2018) - 8.0

Domando o Destino (The Rider / 2017) - 8.0

Círculo de Fogo: A Revolta (Pacific Rim: Uprising / 2018) - 5.0

Sicário: Dia do Soldado (Sicario: Day of the Soldado / 2018) - 6.0

Kingsman: O Círculo Dourado (Kingsman: The Golden Circle) - 4.0

A Festa (The Party / 2017) - 2.0

Quincy (Documentary, 2018) - 7.5

Visages Villages (Documentary, 2017) - 7.0

Spielberg (Documentary, 2017) - 8.5

Distúrbio (Unsane / 2018) - 6.0

David Lynch: A Vida de um Artista (David Lynch: The Art Life / Documentary, 2017) - 8.0

domingo, 23 de setembro de 2018

O Princípio do Contraste

(Capítulo 13 do livro Idealismo: Os Princípios Esquecidos do Cinema Americano)

No Idealismo sempre queremos projetar valores positivos — mostrar uma realidade mais interessante que a do dia a dia, personagens atraentes, proporcionar prazer para o espectador. Mas isso não significa que qualquer coisa negativa que exista num filme seja uma fuga do Idealismo. Na realidade, elementos negativos são praticamente obrigatórios num filme, mesmo que a intenção do cineasta seja a de criar a experiência mais prazerosa de todos os tempos. Isso porque nossa mente precisa de contexto, referências, parâmetros, contrastes, de modo que consiga absorver melhor uma ideia ou vivenciar uma experiência. Este é um princípio fundamental que um filme precisa levar em consideração para comunicar ideias e provocar emoções de maneira eficiente.

Para que qualquer emoção numa história seja transmitida de maneira satisfatória para o espectador, deve haver uma dose do oposto daquela emoção incluída na obra como forma de tornar mais claro o valor positivo e realçar o seu “sabor” — assim como muitas sobremesas às vezes levam sal na receita, criando um contraponto para o açúcar.

Então se você quer inspirar o espectador e criar um senso de Autoestima, possibilidade, talvez seja essencial mostrar que o herói possui certas fragilidades e incertezas também, antes de mostrá-lo sendo vitorioso. Se você quer passar a ideia de que o herói é inteligente, sensato, talvez isso fique mais evidente se ele estiver rodeado de tolos ou personagens menos brilhantes. Se você quiser criar um senso de otimismo, de que o universo é um lugar bom, antes do final feliz ocorrer talvez você deva incluir tragédias ou situações tensas que coloquem a possibilidade de vitória seriamente em risco. Se você quiser transportar o espectador para um lugar incrível, mágico, gerar um senso de escapismo, talvez você deva incluir uma referência do comum, do banal, do cotidiano, do realista — e por aí vai.

Isso não quer dizer que podemos pegar todo tipo de coisa maligna num filme e interpretá-la como sendo um contraste. Uma das regras aqui é que o negativo deve ser incluído apenas em função do positivo, mas nunca como um fim em si mesmo. Se você quiser fazer como Hitchcock, por exemplo, e “torturar” a plateia por alguns minutos, prolongando uma cena de suspense para depois ter uma solução satisfatória e gerar alívio, ótimo. Mas se o propósito for primeiramente gerar desconforto, perturbar, daí isso será inapropriado. Num filme Idealista, o foco do artista está sempre nos valores positivos. O objetivo final é proporcionar prazer, inspiração, satisfação — e os negativos são usados apenas de maneira estratégica para atingir esse objetivo de maneira mais eficaz. Portanto, existem os contrastes adequados e os inadequados: enquanto uma pitada de sal na receita pode tornar um doce melhor ainda, ou a massa do biscoito fazer o recheio parecer ainda mais delicioso, uma pitada de veneno ou de vômito não seria “contraste” algum numa comida, apenas algo repulsivo que destruiria o aproveitamento do valor positivo.

Por exemplo: é perfeitamente aceitável Spielberg dar a entender que E.T. morreu no final do filme, só para minutos depois ressuscitá-lo e fazer a gente vibrar. Mas se ele incluísse na história um longo monólogo sobre a falta de sentido da vida, sobre os males da sociedade moderna, filmasse algumas cenas fora de foco para parecer mais avant-garde, isso não seria um “contraste” para a diversão, e sim a implosão do filme inteiro.

Cada pilar tem o seu contraste (e uma ideia interessante é criar tabelas para concretizar esses contrastes também, não apenas os valores positivos, como discutido no capítulo “Os 4 Pilares do Idealismo”):

O contraste para a Objetividade costuma ser principalmente um senso de complexidade. Embora o espectador queira simplicidade, clareza, ordem, se tudo for absolutamente básico, didático e explícito numa história, isso pode soar infantil ou artificial demais e desestimular o espectador. Então, dentro da simplicidade da arte, nós queremos também um senso de complexidade — mais ou menos como em um jardim, onde existe ordem, a natureza foi reorganizada e simplificada para atender necessidades humanas, mas, dentro desta ordem, você ainda enxerga a riqueza e a complexidade da natureza real. Filmes que contam com a inteligência do espectador para preencher algumas lacunas, sacar algumas ideias, que funcionam em diversos níveis de intelecto, do mais básico ao mais sofisticado, que têm outras camadas além da mais superficial — estes são mais satisfatórios cognitivamente do que aqueles onde tudo é extremamente óbvio e explícito o tempo todo.

Para a Autoestima, os contrastes são geralmente as desvantagens e vulnerabilidades dadas ao herói (como falei no capítulo “O Que Torna um Personagem Gostável?”). Mostrar que, apesar de ser virtuoso, atraente, capaz, o herói não é onipotente, assim como o espectador — o que tornará sua vitória ainda mais satisfatória. Esses elementos evitam também que o personagem soe arrogante, esnobe, e perca seu carisma (todo valor positivo pode ter um “excesso” indesejável, e esses contrastes, além de servirem para comunicar valores com clareza, ajudam também a evitar esses excessos).

Para Benevolência, o contraste seria, por exemplo, um toque surpreendente de seriedade, maturidade, momentos de suspense, medo, violência, vilões assustadores, momentos de verdadeira preocupação e desesperança, onde os sonhos do personagem pareçam realmente estar fora de alcance. Se tudo é extremamente otimista, inocente e ingênuo o tempo todo, isso acaba entediando o espectador e a mensagem não tem impacto — os desejos do protagonista parecem fáceis demais de serem atingidos, quase garantidos. O artista fica parecendo também alguém desconectado da realidade, cego para as dificuldades da vida, e seu otimismo não tem grande efeito. 

Para Excitação, o contraste tem a ver com o lado frustrante da vida, reconhecer a existência dos sacrifícios, deveres e responsabilidades que costumam fazer parte do nosso dia a dia, os momentos de tédio, as pressões sociais e familiares que limitam nossos prazeres — e, em contraste com isso, os momentos de diversão e escapismo da história serão muito mais satisfatórios.

Se juntarmos os quatro pilares e pensarmos no conceito de Entretenimento como um todo, podemos resumir tudo isso dizendo que o entretenimento em si precisa de um contraste para ser eficaz. Ele não pode soar como algo fútil, superficial, infantil, imaturo e desconectado da realidade. Ele só tem uma verdadeira capacidade de inspirar e divertir quando parece ser levado a sério. Quanto mais inteligência, mais maturidade, sofisticação, qualidade técnica, talento e nível artístico ele tiver, melhor ele será. Se um adolescente desmiolado sem nenhum tipo de conhecimento ou virtude te diz “a felicidade é possível”, isso não tem credibilidade alguma. Agora, se um senhor sábio, experiente, culto, talentoso, que conheceu o mundo, passou por todas as dificuldades, enfrentou diversos obstáculos na vida, vira pra você e diz a mesma coisa, a frase é muito mais convincente.

sábado, 22 de setembro de 2018

Buscando...

Assim como Amizade Desfeita (2014), a história aqui é inteira contada através de telas de computadores, celulares, TVs, o que impõe ao cineasta uma limitação criativa interessante, mais ou menos como ocorre no gênero found-footage. No começo a ideia estava me entediando um pouco, pois além de ser meio monótono e esteticamente frustrante ir ao cinema pra olhar uma tela de computador, essa regra me pareceu um pouco aleatória - não parecia algo pra tornar a narrativa mais interessante pro espectador, mas apenas um gimmick pra exibir a engenhosidade do cineasta e justificar o baixo-orçamento. Apesar disso, após o incidente inicial que dá partida à história, o roteiro é forte o bastante pra que a gente esqueça um pouco desse artifício e se envolva de fato no suspense e nos conflitos dos personagens. Há uma série de observações sociais e psicológicas interessantes que dão uma dimensão maior pra história, além do mistério central que prende bastante a atenção.

O maior problema do filme pra mim é a improbabilidade de muitos dos acontecimentos (principalmente mais pro final). Algumas coisas são tão forçadas que fica óbvio que o roteirista se empolgou demais no seu desejo de surpreender o público. SPOILERS: As 2 coisas que mais me incomodaram foram (1) a ideia da garota desaparecida ter um stalker, um garoto obcecado por ela, sendo que a personagem deveria ser uma completa loser socialmente, mas principalmente (2) a ideia de que uma policial tão esperta quanto aquela faria isso tudo pra acobertar um crime sem antes confirmar que a garota havia de fato morrido.

Aneesh Chaganty me lembra um pouco o Shyamalan - um diretor com um talento visível pra contar histórias, ter sacadas interessantes pra filmes, criar suspense, finais de impacto, mas que talvez como roteirista ainda precise de um pouco mais de senso crítico. Mas pra uma estreia na direção é certamente um trabalho notável.

Searching / EUA / 2018 / Aneesh Chaganty

NOTA: 7.0

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O Predador

Apesar do título dar a impressão de um reboot ou remake, essa na verdade é uma sequência de O Predador que reconhece a existência dos filmes de 87, 90 e 2010. O filme foi co-escrito e dirigido por Shane Black (de Beijos e Tiros e Homem de Ferro 3) que é conhecido por seu humor irreverente. Em vez de ser respeitoso em relação à franquia e manter um tom coerente com o dos outros filmes, Black decidiu reinventar a série, a transformando numa pseudo-paródia, mais ou menos como temos visto em filmes como Deadpool e Thor: Ragnarok. Ao fazer isso, na minha opinião ele arruinou o filme e o transformou numa grande fraude, que atrai o público sugerindo um tipo de coisa, e na prática entrega uma "anti-coisa".

Quem já leu minhas postagens sobre Anti-Idealismo e Idealismo Corrompido sabe bem do que estou falando, e não cometerá o erro de enxergar a atitude do filme como "irreverência", ou apenas um erro inocente de tom. Se trata de uma tentativa consciente de ridicularizar o gênero e tudo aquilo que nos remete aos filmes dos anos 80 - ou seja, tudo aquilo que o espectador deveria buscar quando vai ao cinema ver um lançamento como esse.

O filme usa 2 estratégias principais para essa ridicularização - a mais óbvia é o uso destrutivo de humor - que é inserido não pra aumentar o carisma dos personagens ou oferecer um alívio entre cenas mais dramáticas - mas pra diminuir a estatura dos personagens e a seriedade das cenas dramáticas. Não só os supostos heróis do filme são ridicularizados, como os próprios monstros são alvos de zombaria (em determinada cena, o Predador é descrito como uma "Whoopi Goldberg alienígena" por um dos coadjuvantes). É importante constatar que zombar do vilão dessa maneira é tão destrutivo quando zombar dos heróis. As 2 coisas buscam minar a seriedade da história, o tom épico da batalha. Filmes que são pró-heróis, pró-autoestima, investem um esforço enorme em também glamourizar os vilões, torná-los ameaçadores, imponentes, icônicos - afinal, não há muita graça em superar um obstáculo medíocre.

A outra estratégia de ridicularização é a do exagero - tornar algumas ações tão forçadas, tão ilógicas, que se perde toda a realidade da situação. Pegue por exemplo a personagem da bióloga - uma cientista exageradamente esperta, que está sempre deduzindo coisas que ela não teria a menor condição de saber. Quando a vemos, ainda no começo do filme, pegando uma espingarda e saindo correndo atrás do Predador, saltando em cima de ônibus em movimento (sem que ela tenha qualquer treinamento militar ou conhecimento especial sobre a criatura), isso não é feito pra gerar admiração pela personagem. É na verdade uma forma de tornar a cena propositalmente ridícula; gerar "admiração" apenas pelo cinismo do cineasta talvez, que está claramente se divertindo ao zombar dos "filmes tolos" dos anos 80 com Schwarzenegger, Stallone ou Sigourney Weaver, onde os protagonistas eram exércitos-de-1-homem-só e pareciam poder tudo. Ou seja, o filme não foi feito por alguém que respeita o Predador original, e sim por alguém que considera o filme meio ridículo - só que em vez então de torná-lo respeitável (de acordo com seus próprios critérios) o cineasta resolveu torná-lo mais ridículo ainda, exagerando justamente aquelas características que ele considerava tolas.

É uma pena, pois dá pra ver pelas entrelinhas que Black tem bastante habilidade e energia como cineasta (não me parece desses que abraçam o Anti-Idealismo como forma de ocultar a própria falta de talento). Fica a impressão que, se ele não estivesse tão comprometido com seu cinismo, ele teria sido capaz de fazer um filme respeitável (e respeitoso), no espírito do original.

The Predator / EUA, Canadá / 2018 / Shane Black

NOTA: 2.5

domingo, 9 de setembro de 2018

A Freira


Tinha achado muito legal a figura da freira no Invocação do Mal 2, e me pareceu uma boa ideia criar um filme só pra ela, até porque não me lembro de uma outra freira maligna no cinema de horror que tenha feito sucesso. Infelizmente os acertos do filme não vão muito além dessa sacada inicial. A parte visual / física da produção é muito bem feita (como em todos os outros capítulos da franquia) o que dá certa ilusão de que o filme tem mais qualidade do que as estreias mais rotineiras do gênero. Mas naquilo que realmente importa - roteiro, direção, personagens - o filme representa o que há de mais pobre e inautêntico no entretenimento atual.

Os problemas aqui não são de valores, da intenção do filme... A intenção parece boa. O problema é a completa falta de noção dos cineastas do que é que constitui um filme, de como é que se conta uma história. Mais uma vez, é a falta de Objetividade que faz ruir toda a narrativa. Em vez de uma história onde os personagens têm motivações plausíveis, objetivos claros, agem de maneira convincente em um universo crível, o filme se parece mais com um pesadelo onde você nunca sabe direito se é dia ou se é noite, os acontecimentos parecem totalmente randômicos, irreais, coisas acontecem num minuto e no minuto seguinte deixam de existir, as pessoas agem de forma ilógica, seguem vultos em porões sinistros quando deveriam estar correndo deles, fazem cara de espanto quando veem algo sobrenatural, como se já não tivessem tido 200 provas antes de que o lugar é amaldiçoado... Se ao menos os Set Pieces isoladamente fossem bons, o filme teria certo valor de entretenimento. Mas as cenas de terror não têm a menor criatividade, são totalmente baseadas em clichês (não sei quantas vezes usam o recurso da câmera que gira pra um lado, daí quando volta revela um fantasma ao fundo que antes não estava lá), e a ambientação é fantasiosa demais pra gerar medo. É tudo muito óbvio: o cineasta acha que se ele colocar pessoas caminhando com lampiões num cemitério tenebroso, acrescentar névoa, teias de aranha, uma luz misteriosa, isso irá gerar mais medo... Quando na verdade é muito mais impactante ver um fantasma num ambiente que o espectador julgue familiar (se você está na selva amazônica e vê uma tarântula, o impacto é menor do que se ela saísse debaixo do seu travesseiro). 

Mas nenhum filme consegue flertar com o status de "trash" sem o auxílio de um personagem particularmente estúpido que tempere a experiência com atitudes e falas constrangedoras - função que o mocinho Frenchie cumpre brilhantemente com seus momentos "I'm french-canadian!" ou "The blood of Christ - holy shit!", por exemplo (quem achou que Jonas Bloquet com seu rosto de modelo da Abercrombie seria convincente como um aldeão do interior da Romênia em 1952, realmente precisa repensar seu futuro na área de casting).

Não-surpreendentemente, o filme faturou $131 milhões de dólares mundialmente nesse fim de semana (a segunda maior estreia de terror da história) provando que, se os cineastas estão cada vez mais incompetentes e despreparados, os marketeiros estão se tornando os verdadeiros gênios desse ramo.

The Nun / EUA / 2018 / Corin Hardy

NOTA: 3.0

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Você Nunca Esteve Realmente Aqui

Thriller psicológico escrito e dirigido por Lynne Ramsay (a mesma de Precisamos Falar Sobre o Kevin) sobre um matador de aluguel (Joaquin Phoenix) que ganha a vida resgatando escravas sexuais de cativeiros e matando brutalmente os responsáveis no processo. O filme ganhou os prêmios de Melhor Ator e Melhor Roteiro no Festival de Cannes.

Esse é o típico filme pseudo-intelectual, charlatão - daqueles que querem parecer artísticos, profundos, psicologicamente complexos, mas apelam pro Subjetivismo e pras Emoções Irracionais pra atingirem esse objetivo - tudo pra esconder o fato de que o autor não tem de fato algo substancial a dizer, não tem o intelecto nem a profundidade nem o requinte artístico que tenta passar.

Acabando o filme, a primeira coisa que fiz foi procurar uma entrevista com Ramsay no YouTube pra ver ela falando qualquer coisa, pois minha impressão era a de que o filme tinha sido feito por uma pessoa com sérias dificuldades de raciocínio e de comunicação (como pra mim a objetividade é a 1ª necessidade de qualquer filme, se você ainda não dominou essa habilidade, você não deveria se arriscar a escrever e dirigir um filme). Não estava enganado - veja essa entrevista e, caso você consiga entender pelo menos 10% do que ela fala (eu tive quase uma dor de cabeça tentando), repare no senso de caos, de imprecisão e falta de propósito e de estrutura em sua fala, na impressão de que nada é "preto e branco" em seu processo, que tudo é improvisado, aproximado, que ela pensa em termos de "sons e imagens" (ou seja, que ela não pensa - que ela filma movida por sensações que desconhece). É um exemplo incrível de como uma obra, antes mesmo de refletir seus valores, acaba sendo um raio-X do método de pensamento de um artista.

You Were Never Really Here / Reino Unido, França, EUA / 2017 / Lynne Ramsay

NOTA: 0.0

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Sharp Objects


Apesar do clima pesado, foi uma das poucas séries recentes que conseguiu prender minha curiosidade até o final. Um pouco pelo mistério dos assassinatos, mas mais até pelo mistério envolvendo o passado da protagonista Camille (Amy Adams está brilhante) e de sua família disfuncional. Além também da qualidade da direção de Jean-Marc Vallée (o mesmo de Big Little Lies) que é cheia de sutilezas e tem uma atenção aos detalhes que não se vê tanto na TV.

A série não chega a ser totalmente malevolente em seu Senso de Vida, pois se esforça pra mostrar que Camille é uma boa pessoa e que ela pode superar seus traumas. Ainda assim, na maior parte do tempo que gastamos vendo a série, estamos olhando pra temas deprimentes e situações negativas. Muito do incômodo vem do retrato quase exclusivo de relacionamentos conflituosos entre os personagens. As únicas relações positivas que vemos aqui estão nas poucas cenas em que Amy Adams interage com seu chefe e sua esposa. Praticamente todas as outras relações entre todos os personagens de alguma forma expressam cinismo, desarmonia, raiva, inveja, agressividade, desconfiança... E os relacionamentos entre os personagens numa história pra mim são como os acordes de uma música - eles determinam o tom geral da experiência. Essa negatividade é algo que eu percebo não incomodar muito os fãs de séries de TV (afinal a grande maioria das séries têm esse foco em relacionamentos conflituosos, então isso deve dar algum tipo de prazer pras pessoas) porém pra mim, ficar num ambiente como esse por muito tempo me coloca num mindset realmente ruim, quase como o de ter que conviver com pessoas tóxicas na vida real, me afastando da maioria das coisas produzidas pra TV hoje em dia (uma convicção minha é que pra falar sobre pessoas negativas e temas negativos, um filme não precisa colocar o espectador também num estado mental indesejável).

Ainda assim, as qualidades da série me pareciam compensar esse problema central - a sensação constante de que algo impactante estava pra acontecer nos capítulos seguintes me fez seguir em frente, e os 2 últimos episódios fizeram valer a pena.

Sharp Objects (HBO Mini-Series) / EUA / 2018 / Criadora: Marti Noxon

NOTA: 7.5

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

O Protetor 2

Vendo filmes como esse, como John Wick, ou mesmo fenômenos do mundo dos games como GTA, fica claro que existe uma enorme fatia da população que vê algo de prazeroso nesse tipo de violência, em assistir alguém descontando sua raiva fisicamente, se vingando de forma brutal... E que não se trata apenas de uma busca por justiça, algo motivado por um senso de moralidade, pois em muitos casos (como aqui em O Protetor 2) o espectador nem tem como saber se as atitudes do protagonista são justas ou não (na verdade, o simples fato dele não ter informações o suficiente antes de partir pra ação, e de nem esperar pra ver se a Justiça fará algo primeiro, já torna a atitude condenável). Por exemplo: numa cena no início do filme, Denzel Washington (trabalhando como motorista) dá carona pra uma mulher cheia de hematomas no corpo, que é colocada pacificamente no táxi por um homem. Sem que a gente saiba mais nada a respeito da situação (quem bateu nela, por que, se ela também agrediu alguém), e sem nem informar a polícia antes, Denzel volta até o apartamento dos supostos agressores e tortura / assassina todo mundo! E não, Denzel não é retratado como uma pessoa desequilibrada, imoral, e sim como um herói, um homem incorruptível, corajoso, uma espécie de mito, que está fazendo tudo aquilo que o espectador secretamente gostaria de fazer. Outra pista de que não se trata apenas de uma busca por justiça - do desejo de se livrar de um problema pra daí perseguir valores positivos (ele não busca nada positivo, sua vida é toda sobre destruir negativos - inclusive negativos que nada têm a ver com sua vida pessoal) - é a enorme ênfase na violência gráfica: o "herói" não se contenta apenas em eliminar os vilões, ele precisa torturá-los, achar maneiras particularmente grotescas de realizar o ato (e o filme faz questão de mostrar tudo em detalhes). Em determinada cena ele praticamente admite ter prazer no ato de infligir dor, e diz que se fosse possível, mataria os vilões mais de 1 vez só pela satisfação.

Infelizmente o filme inteiro é baseado em cima desse único "prazer", portanto não sobra muito pros outros espectadores apreciarem em termos de história, técnica, etc. A trama não é muito clara, demora pra engrenar, e até mesmo as cenas de ação são fracas, cheias de clichês e coisas forçadas pra darem um ar sobre-humano pro protagonista (Denzel ouve um latido de cachorro pelo telefone e já tem certeza que o garoto está em perigo; o vilão está numa cidade deserta no alto de uma torre, em vigilância, armado, e Denzel consegue escalar a torre e golpeá-lo sem que ele perceba, etc).

Não estou querendo dizer que os fãs desse tipo de filme sejam psicopatas (assim como quem joga games violentos não são pessoas sádicas necessariamente), de qualquer forma, ainda não consegui entender o mecanismo psicológico pelo qual uma pessoa com valores totalmente positivos, num estado saudável de consciência, consegue achar satisfação numa história como essa.

The Equalizer 2 / EUA / 2018 / Antoine Fuqua

NOTA: 3.5

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Megatubarão


Sempre que eu entro pra ver um filme, talvez meu desejo mais profundo e essencial (e raramente satisfeito) é o de ver uma união entre arte e entretenimento (ou, num nível mais profundo, entre intelecto e felicidade). Então se externamente o filme se apresenta como uma obra séria, autoral, minha primeira pergunta antes de começar o filme é: será que ele fará um esforço pra também ser prazeroso? E por outro lado, se o filme se apresenta como pura diversão, escapismo (como Megatubarão) minha primeira pergunta é: será que ele fará um esforço pra também ser sofisticado, inteligente, criativo? E aqui logo que começa o filme já percebemos que a resposta é não: o roteiro é composto basicamente de clichês e ideias emprestadas de outros filmes, não há grande respeito pela lógica e pelas leis da física, a ação é inacreditável, os personagens estão sempre se colocando em situações desnecessárias de risco, há alguns personagens tolos que dão um clima meio Zorra Total pra certas cenas... Outro ponto fraco é que o filme não consegue dar uma personalidade forte pro monstro, tornar o tubarão uma figura assustadora, mítica, como no clássico de 75. Aqui é apenas um efeito digital que precisa ficar apelando pra jump scares pra causar qualquer reação no público.

Em termos de valores há também algumas coisas que dão preguiça - a romantização do auto-sacrifício, tentativas de tornar o filme "inclusivo" e multicultural que soam artificiais e às vezes enfraquecem o herói, etc. Não chega a ser um filme ruim - a produção é bem feita, Jason Statham é carismático, a história tem uma boa estrutura - mas a não ser que você tenha 15 anos e nunca tenha assistido nada pra trás dos anos 2000, ficará claro que se trata apenas de uma reciclagem não muito inspirada de velhas fórmulas.

The Meg / China, EUA / 2018 / Jon Turteltaub

NOTA: 5.5

terça-feira, 7 de agosto de 2018

O Paradoxo Cloverfield


Essa deve ser a franquia com o conceito mais vago do cinema, e está chegando num ponto onde qualquer história onde algo inexplicável aconteça poderá ganhar o rótulo "Cloverfield" e um link duvidoso para os outros filmes (tanto esse quanto Rua Cloverfield, 10 eram roteiros independentes que nada tinham a ver com Cloverfield: Monstro - até o produtor J.J. Abrams resolver conectar tudo). Se você for pensar, inúmeros filmes poderiam passar a fazer parte da série com apenas algumas modificações no roteiro: Aniquilação, Círculo de Fogo, Godzilla, Planeta dos Macacos, Transformers, Stranger Things, qualquer episódio antigo do Twilight Zone, etc. Tirando a premissa básica de que um portal interdimensional foi aberto e agora coisas bizarras podem acontecer, não há muito o que conecte os 3 filmes em termos de clima, estilo, qualidade técnica, mensagem, etc. O que falta aqui é um pouco do senso de unidade e planejamento que sentimos ao ver algo como Black Mirror, por exemplo, que consegue mudar de gênero, ambientação, personagens, mas ainda assim preservar um tema central, uma atmosfera consistente.

Mas deixando de lado essa conexão com os outros Cloverfields, como uma aventura espacial isolada o filme até que é divertido de assistir; o ponto de partida é interessante (a crise de energia na Terra, o experimento com a "partícula de Deus"...) a história é cheia de ideias surpreendentes, a narrativa é clara (apesar do filme brincar com realidades paralelas, múltiplas dimensões, paradoxos, ele nunca se torna "Nolanesco" demais). Mas infelizmente falta talento no roteiro, na direção, e apesar de algumas boas sacadas, na tentativa de entreter o filme acaba muitas vezes soando infantil e criando vários momentos ridículos que farão até um garoto de 12 anos revirar os olhos (a absurda cena do braço, a surpresa final, etc). Ou seja, não é nenhum Alien (1979) - não chega nem a ser um Vida (2017) - mas pelo menos não dá pra dizer que é entediante.

The Cloverfield Paradox / EUA / 2018 / Julius Onah

NOTA: 5.0

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo

Uma sequência que não é das mais naturais (a história não exigia uma continuação, todas as melhores músicas já tinham sido usadas no primeiro filme, por razões desconhecidas mataram o personagem da Meryl Streep que era o mais importante - agora ela só faz uma participação especial), ainda assim não dá pra dizer que o filme não funciona. Continuo tendo alguns problemas com a história e com as sequências musicais, que quase sempre começam de maneira meio forçada, não parecem emergir naturalmente da narrativa, dando um senso de artificialidade à alegria que o filme tenta projetar: é o que discuto na postagem Emoções Irracionais - em vez de divertir o espectador através do conteúdo, da história, criando primeiro personagens e situações realmente interessantes, o filme simplesmente joga na tela um monte de gente sorrindo, dançando, cantando músicas pop em cenários coloridos, e espera que a gente entre no clima e se divirta junto só por contágio.

Outra coisa que me distancia um pouco da narrativa é o sonho da protagonista: toda essa ideia de aos vinte e tantos anos já querer se acomodar, ter uma vida pacata, casar, ter filhos e viver pra sempre afastada da civilização numa ilha paradisíaca, tocando uma pousada... É meio como a ideia de Shangri-la: achar que a vida ideal é se estabelecer num lugar onde ninguém precisa mais perseguir objetivos, evoluir, pensar - eu simplesmente acharia isso meio deprimente.

De qualquer forma, o filme continua com um visual lindo, bons atores, e a não ser que você tenha alguma resistência a esse tipo de música ou a filmes musicais em geral (eu não tenho), fica muito difícil não se animar na meia hora final com as aparições de Cher, Meryl, e os hits do ABBA mais aguardados.

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Mamma Mia! Here We Go Again / EUA, Reino Unido / 2018 / Ol Parker

NOTA: 6.0

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Missão: Impossível - Efeito Fallout

Um dos filmes mais eletrizantes da última década, que comprova não só a importância dos Set Pieces nos filmes (um princípio que é a essência da série Missão: Impossível), como também do realismo e da objetividade na direção de cenas de ação (noção clara da geografia, evitar cortes excessivos que confundem o espectador, stunts realistas, efeitos práticos, personagens com forças e fragilidades razoavelmente aceitáveis, etc). Outro elemento particularmente marcante nesse filme é a trilha sonora magnífica, que às vezes é tão poderosa que dispensa qualquer outro tipo de áudio (em pelo menos 2 breves sequências eles cortam totalmente o som ambiente, as vozes, e ficamos apenas vendo imagens ao som de música, lembrando quase o cinema mudo).

Não é o roteiro que torna esse filme acima da média - não há nada de especial aqui em termos de trama, personagens, diálogos, ideias originais, etc. O que realmente eleva o filme pra outro patamar é a direção, particularmente a direção desses Set Pieces de ação, que consegue através da trilha, da fotografia, da edição, transformar cenas que seriam até corriqueiras (por exemplo o carro-forte girando semi-submerso, ou Cruise perseguindo o vilão a pé dentro dos prédios, sendo guiado por rádio pelo parceiro) em um enorme êxtase audiovisual, daqueles que dão vontade de rever depois isoladamente apenas por apreciação estética. O clímax com os helicópteros então, são alguns dos minutos mais espetaculares já vistos num filme do gênero.

O único ponto fraco do filme talvez seja o fato que, quando não há ação, a trama se torna um tanto confusa - aquele senso de clareza e objetividade que temos quando estamos vendo Cruise pendurado em cordas e desfiladeiros, simplesmente desaparece e se transforma num jogo de xadrez impossivelmente complexo, onde há 15 coisas acontecendo ao mesmo tempo, nunca sabemos as verdadeiras motivações dos personagens, quais os próximos passos, quem está enganando o outro ou sendo enganado (algo que não ocorre num filme como Intriga Internacional de Hitchcock, por exemplo - sempre uma referência pra filmes desse tipo - onde as cenas de diálogos, de desenvolvimento de história e de personagens são tão ricas e fáceis de acompanhar quanto os famosos Set Pieces).

Mas mais uma vez tiro meu chapéu pra Tom Cruise (que me parece ser a grande mente por trás de seus filmes, apesar dele não ser o diretor) por conseguir mesmo nos tempos atuais nos apresentar um herói puro, "desenvergonhado", numa história intocada pelos valores Anti-Idealistas que dominam Hollywood hoje, e criar um entretenimento capaz de agradar 3 públicos raramente em sintonia: eu, o público em geral, e a crítica - provando que ele realiza missões impossíveis não só na tela como na vida real também.

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Mission: Impossible - Fallout / EUA / 2018 / Christopher McQuarrie

NOTA: 8.5

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Ilha dos Cachorros

ANOTAÇÕES:

- Como sempre nos filmes de Wes Anderson, o visual é muito criativo, estimulante, interessante tecnicamente, carrega a marca registrada do diretor, porém isso não é o mesmo que dizer que o filme é bem dirigido, tem qualidade cinematográfica - os méritos aqui têm mais a ver com artes plásticas, com design, do que com cinema de fato.

- Me parece um caso de Idealismo Corrompido: por um lado o filme quer contar uma história emocionante de um garoto procurando seu cãozinho perdido, lutando heroicamente contra um governo autoritário, mas por outro, é tudo feito sem envolvimento dramático, de forma não-séria, os personagens são todos feios, meio caricatos, ridículos, o filme está sempre rindo de si mesmo, apresentando uma série de toques absurdos e idiossincráticos na narrativa...

- Qual o propósito por exemplo do trecho onde os cachorros vão parar dentro do processador de lixo? Ou a cena em que o garoto decide parar a caminhada pra escorregar no tobogã? Num filme normal, esses momentos poderiam ser criticados como sendo inconsequentes pra história... Porém aqui, tudo parece ser perdoado pois se trata de um "filme de arte", então o diretor tem permissão pra fazer coisas sem sentido aparente.

- Mais pro final pelo menos o filme começa a tentar evocar certas emoções - porém são do tipo que só atingirão os espectadores que se sentem oprimidos politicamente (SPOILERS: a vitória dos cachorros contra o "sistema", o prefeito autoritário eventualmente assumindo seus erros e até doando um rim como pedido de perdão) - para o espectador comum, o filme continuará parecendo mais um exercício de estilo desprovido de emoções e valores mais importantes (ler: A intenção de um filme).

Isle of Dogs / Alemanha, EUA / 2018 / Wes Anderson

NOTA: 5.5

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Arranha-Céu: Coragem Sem Limite


Filme de ação bastante formulaico - uma mistura de Inferno na Torre (1974) com Duro de Matar (1988) - que cai naquela categoria de filmes que eu descrevi na crítica de Rampage: Destruição Total, onde a falta de realismo e de lógica parecem ingredientes indispensáveis pra projeção do tipo de heroísmo e autoconfiança que os criadores admiram. Tirando isso, o filme é bem realizado, divertido (sempre gosto dessas tramas do tipo Titanic / Jurassic Park, onde uma inauguração grandiosa se transforma num enorme pesadelo) tem cenas de ação tensas do começo ao fim, e Dwayne Johnson sempre simpático comandando o show.



Skyscraper / EUA / 2018 / Rawson Marshall Thurber

NOTA: 6.0

domingo, 8 de julho de 2018

Homem-Formiga e a Vespa


Achei bem divertida essa sequência, que eliminou as principais coisas que tinham me incomodado no primeiro filme. O filme não resiste a uma análise mais séria, não tem grandes requintes cinematográficos, mas é um entretenimento tão assumidamente despretensioso que você nem se sente na posição de criticá-lo por isso (assim como ninguém assiste Chapolin analisando enquadramentos, movimentos de câmera, etc). O importante funciona, que é o carisma dos protagonistas, o humor, a ação, a linha narrativa central - e apesar do Homem-Formiga ser apenas um instrumento na história (quem motiva a trama no fim é o Michael Douglas e a filha) a ideia deles tentarem resgatar a personagem da Michelle Pfeiffer é mais envolvente que a história do primeiro filme, onde todo o esforço era apenas pra roubar um traje e atrasar um pouco a vida do vilão.

Ant-Man and the Wasp / EUA / 2018 / Peyton Reed

NOTA: 6.5

sexta-feira, 29 de junho de 2018

Os Incríveis 2

Mais um daqueles blockbusters perfeitamente em harmonia com o momento atual de Hollywood, que reforça os valores vistos como politicamente corretos hoje em dia, que será sucesso tanto de público quanto de crítica - e que naturalmente eu acho um tédio. Nas entrelinhas o filme até tenta passar uma mensagem interessante, diferente, defendendo a livre iniciativa, criticando tanto os liberais quanto os conservadores atuais, mas em todos os níveis mais importantes ele apenas contribui pro objetivo dos progressistas (só de ter que pensar nesses assuntos enquanto vejo um desenho da Disney já acaba minha boa vontade). Pra ter uma noção melhor do que me desagrada no filme, basta dar uma olhada nessa análise feita pelo canal Entre Planos (sobre o primeiro filme, mas que vale pro 2 também), e perceber que tudo aquilo que é colocado como se fosse uma virtude da série, pra mim é um defeito (como já discuti em postagens como Herói Envergonhado, A intenção de um filme, etc):




Incredibles 2 / EUA / 2018 / Brad Bird

NOTA: 5.0

domingo, 24 de junho de 2018

Hereditário

Um roteiro bobinho e pretensioso que tenta juntar numa história só conceitos que dariam pra 5 filmes de terror diferentes (jogo do copo, sonambulismo, alucinações, bruxaria, fantasmas, maldições, possessões demoníacas, crianças do mal, casas assombradas, etc). Cai no que discuto na postagem Emoções Irracionais sobre filmes impressionantes tecnicamente e que sabem manipular as emoções do espectador (apelando pro subjetivismo, por exemplo), e com isso conseguem passar a impressão de serem mais sofisticados do que são de fato.

Hereditary / EUA / 2018 / Ari Aster

NOTA: 4.0

Oito Mulheres e um Segredo

Me pareceu apenas uma grande desculpa pra reunir um grupo de atrizes carismáticas e bem vestidas na tela - a história do roubo em si não é tão interessante ou envolvente, até porque não há muitas coisas em jogo na trama: as protagonistas decidem roubar as jóias apenas pela diversão, não por qualquer tipo de necessidade maior, o que deixa a narrativa um pouco leve demais, sem drama, conflito (além de glamourizar o crime sem justificativa alguma). Mas vale como uma diversão passageira.

Ocean's Eight / EUA / 2018 / Gary Ross

NOTA: 5.5

Jurassic World: Reino Ameaçado

Achei mais fraco que o anterior (essa premissa de resgatar os animais é meio política/burocrática, não explora tanto o que a série tem de melhor que é a magia do parque, o mistério dos dinossauros, etc) mas ainda é um entretenimento bem intencionado (pelo menos tenta honrar os filmes originais, em vez de subvertê-los ou "modernizá-los") e muito bem produzido como era de se esperar.

Jurassic World: Fallen Kingdom / EUA / 2018 / J. A. Bayona

NOTA: 7.5

terça-feira, 5 de junho de 2018

Tully


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão - um método que adotei para passar minhas impressões de forma mais objetiva.)

ANOTAÇÕES:

- Na postagem A intenção de um filme eu listo como uma das "más intenções" quando o objetivo primário do filme é: "amenizar a dor ou a baixa autoestima do espectador triste ou com senso de inferioridade, retratando personagens infelizes ou problemáticos de maneira positiva - não em prol do entretenimento, mas pra provocar um senso de "conforto" e identificação no espectador, mostrando que outros sofrem como ele, que ele não está sozinho em sua miséria" - então eu de cara já não embarco muito na história de Tully porque esta é justamente a proposta do filme - dizer pra mães exaustas que a maternidade realmente é uma tortura, e que elas não devem se sentir culpadas por estarem infelizes, não conseguirem ser mães ideais, etc.

- O filme em geral é do tipo Naturalista, mas às vezes ele tem umas atitudes Anti-Idealistas ruins quando, pra "confortar" o espectador frustrado, ele se permite alfinetar pessoas felizes e bem sucedidas (como o irmão e a cunhada) sem justificativa alguma (retratando elas de maneira ridícula, caricata, como se felicidade fosse uma espécie de alienação).

- Não gosto do pessimismo e da vitimização. Se pelo menos o filme contrastasse os momentos difíceis com alguns momentos positivos entre ela e os filhos, pelo menos 1 sorriso dela direcionado ao bebê, mostrando a criança como algo de valor, o filme pareceria melhor intencionado... Mas não - é como não houvesse nada de compensador na situação. O filme retrata o bebê como se fosse um pedaço de carne sem alma que está ali só pra gritar e arruinar as noites da Charlize Theron. É um filme com uma visão vazia e materialista da vida. E a pergunta que não quer calar: se ter filhos é tão infernal assim, por que o casal está no filho número 3? Somos obrigados a perpetuar a espécie? A seguir o mesmo roteiro que todo mundo?

- Quando chega a Tully (babá) o filme dá uma melhorada no tom. Mas espero que a mensagem final não seja tão rasa assim ("A vida está muito puxada? Então aceite dinheiro do seu irmão rico e contrate um empregado!").

- Há algo de suspeito na Tully. O filme quer que a gente a veja como a babá perfeita, como uma nova amiga da Charlize, mas há algo de sinistro e falso na personagem que torna as cenas incômodas. Não sabemos nada sobre a vida dela, ela não demonstra emoções autênticas, está sempre com uma atitude estranhamente positiva, altruísta, que soa manipulativa... E não faz sentido uma menina tão qualificada assim estar nesse emprego... A gente fica esperando baixar a Rebecca De Mornay nela a qualquer momento.

- SPOILER: Péssimo (e totalmente artificial) a Tully transar com o marido da Charlize pra "ajudar" na vida sexual do casal. Essa cena na cama chega a ser incômoda de ver. Ou então mais pra frente quando ela espreme o peito da Charlize no banheiro pra ajudar o leite a sair. Se fosse um filme de terror onde a babá fosse pra ser sinistra, seria perfeito. Mas o filme continua querendo mostrar a Tully como se fosse uma babá moderna, admirável, um anjo que caiu na vida da Charlize.

- SPOILER: Uma tolice a revelação final de que a Tully só existia na imaginação da Charlize. Na postagem Simbolismo e Filmes Interpretativos eu discuto por que desaprovo filmes que vêm com uma "carta na manga" no último momento e com isso tentam consertar uma narrativa que foi inteira problemática. Se eu passei 1h30 de filme achando tudo mal escrito, sem realismo psicológico, a personagem estranha, sem carisma... Não adianta no fim dizer "supresa, era tudo simbólico!" e achar que o espectador sairá satisfeito. Isso é apenas a Diablo Cody (roteirista) tentando pagar de espertinha, colocando sua sacada "genial" acima de questões narrativas mais importantes. E a mensagem é uma chatice: "Vejam maridos, não existem Tullys na vida real, então tratem de ajudar suas esposas nas tarefas domésticas!". Reparem como o filme promove uma maneira destrutiva de se lidar com os problemas da vida: o desejo da Charlize no começo do filme é o de obter ajuda pra cuidar dos filhos, o que é totalmente compreensível (o desejo do protagonista é o que chamamos de a "espinha" da história). No fim, como é que a "heroína" conquista seu objetivo? Sendo responsável, assertiva, racional, criativa, buscando soluções de ganha-ganha, dando um exemplo inspirador pra plateia? Não: quase se matando num acidente de carro, até que seu marido finalmente fica convencido de que ela é incapaz, digna de pena, chegou no seu limite, e assim decide ajuda-la com base na culpa. E o irmão rico da Charlize também era imaginário? Ele não continua disposto a pagar por uma babá? Com 3 filhos pequenos (sendo 1 autista) isso ainda não seria uma ótima opção pro casal, mesmo que eles não achassem uma babá tão "mágica" quanto a Tully?

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Tully / EUA / 2018 / Jason Reitman

NOTA: 4.0

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Han Solo: Uma História Star Wars

Meu desacordo com a cultura atual é tão incrível que, quando público e crítica estão eufóricos em relação a um filme, eu posso ter quase certeza que irei detestar. E quando um filme é recebido de maneira morna (como nesse caso) eu já começo a ficar mais esperançoso. Entre O Despertar da Força, Rogue One e Os Últimos Jedi, Han Solo pode não ser o que irá gerar mais frisson, mas é certamente o que eu considero o melhor filme em termos de roteiro, direção, elenco, e é de longe o melhor em termos de valores - o único que é consistentemente Idealista e que tem um espírito compatível com o da trilogia original.

Se você olha quem dirigiu e escreveu o filme, não há mistério: Ron Howard (diretor de Uma Mente Brilhante, Apollo 13, Frost/Nixon, Willow - Na Terra da Magia) é um contador de histórias altamente experiente, competente, e que trabalha bem em todos os gêneros. E o roteirista Lawrence Kasdan escreveu nada menos que O Império Contra-Ataca, O Retorno de Jedi e Os Caçadores da Arca Perdida (ele também foi roteirista de O Despertar da Força, porém lá teve que trabalhar junto com outros 2 roteiristas, incluindo o diretor J. J. Abrams, enquanto aqui ele escreveu apenas com seu filho, resultando num trabalho mais íntegro).

Ao assistirem o filme, reparem como a história é estranhamente fácil de acompanhar - como o filme foi feito pra ser visto num estado de alerta, por cineastas que desejam que o espectador acompanhe o passo a passo da história sem grandes dificuldades, que só incluem na narrativa eventos que são relevantes pros objetivos estabelecidos dos personagens, e que possam ser compreendidos pelo espectador (que não fica numa névoa olhando figuras que agem de maneira aleatória, cenas que não sabemos pra que servem, ações que não levam a lugar nenhum, etc).

Reparem como o filme nos mostra relacionamentos atraentes entre todos os personagens. Lembro que em Guardiões da Galáxia Vol. 2 comentei que a Zoe Saldana era uma personagem extremamente antipática, que estava sempre contrariada, emburrada com o Chris Pratt - sendo que essa deveria ser a relação mais positiva do filme. Aqui é o exato oposto - até entre o Han Solo e o Beckett (Woody Harrelson) que é um semi-vilão, temos uma relação fascinante, carismática, entre duas pessoas que têm autoestima e se tratam com dignidade.

Reparem como somos transportados pra um universo que parece palpável, orgânico, com cenários físicos, em vez de ambientes 3D que parecem mais um videogame.

Reparem como Han Solo é de fato um herói, como em diversos momentos podemos de fato ver ele fazendo coisas interessantes, demonstrando suas habilidades, tendo sacadas inteligentes pra se livrar de enrascadas ou pra manipular os vilões (sacadas que fazem sentido e que exigiram certo raciocínio do roteirista), demonstrando bons valores de caráter (sendo o "mocinho" mesmo ele não gostando de admitir isso), e como em vez de focar na decadência dos heróis como na maioria dos filmes atuais, aqui nós vemos a ascensão e a celebração de um que ainda está caminhando para o seu auge.

Sim, falta algo no filme que o impede de se tornar altamente memorável ou relevante. Mas talvez seja simplesmente por causa da proposta dessa saga, que pretende contar histórias menos épicas dentro do universo Star Wars, o que deixa os filmes num meio-do-caminho esquisito: não são nem simples o bastante pra poderem virar grandes "Filmes B", mas também não podem ser ambiciosos o bastante a ponto de competirem com os filmes principais da franquia.

De qualquer forma, é um entretenimento old-school muito bem vindo pra quem quer um descanso das tendências atuais do cinema.

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Solo: A Star Wars Story / EUA / 2018 / Ron Howard

NOTA: 7.5

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Deadpool 2

Queria não ter deletado o vídeo que gravei na época do lançamento do primeiro Deadpool, pois tinha traduzido uns trechos do artigo "Bootleg Romanticism" da Ayn Rand que seriam novamente relevantes aqui. Mas só pra relembrar uma parte:

"Observe que na questão de humor vs. thrillers, os intelectuais modernos estão usando o termo "humor" como um anti-conceito, um "combo" de 2 significados, com o significado correto servindo de cobertura pra que eles enfiem o significado inapropriado nas mentes das pessoas. A intenção é destruir a distinção entre "humor" e "ridicularização", particularmente "auto-ridicularização" - e portanto levar as pessoas a sujarem seus próprios valores e suas autoestimas, por medo de serem acusadas de não terem um "senso de humor". Lembre-se que humor não é uma virtude incondicional - ele depende do objeto. Você pode rir com um herói, mas nunca de um herói - assim como uma sátira pode rir de um determinado objeto, mas nunca de si mesma. Uma composição que ri de si mesma é uma fraude sobre a plateia."

Concordo plenamente com ela (é o que já discuti em postagens como Idealismo Corrompido) e esse é o principal motivo de eu não me divertir com essa série.

Mas há outros valores ruins no filme também. Não só ele é anti-heróis, anti-autoestima, como ele é explicitamente pró auto-sacrifício, apresentando uma história onde o herói dedica todo o seu esforço pra salvar um personagem secundário, que nada tem a ver com sua vida, que é intencionalmente feio, mau caráter, não tem o menor carisma... Ou seja, o grande tesouro da história, a "arca perdida" que o herói tem que lutar pra conquistar, agora é um adolescente revoltado, andrógino, com obesidade mórbida, representante das "minorias oprimidas".

SPOILER: No clímax, assim como no último Star Wars, temos novamente um momento de duplo auto-sacrifício (1 só já se tornou uma dose muito fraca pro público atual) - onde o herói tenta morrer em nome dos mais fracos, mas daí um personagem secundário se sacrifica de última hora pra impedi-lo de se sacrificar. Assim, o herói consegue provar pro público que tem o "coração no lugar certo" - que está em harmonia com os ensinamentos de Jesus - mas não precisa morrer na prática, afinal isso seria muito inconveniente, o que vale mesmo é a intenção (o interessante nesse caso específico é que mesmo depois que o Deadpool se joga na frente da bala e leva o tiro pelo garoto, ele ainda poderia se salvar apenas tirando o dispositivo do pescoço que anula seus poderes - tirando o colar, o ferimento da bala se regeneraria - mas não: ele insiste em não tirar o colar e morrer de propósito, apenas pra provar que ele não fez aquilo por qualquer motivo egoísta (egoísmo = Hitler). Para um altruísta, apenas o sacrifício total conta como uma verdadeira prova de bondade.

A completa rejeição da lógica, da realidade, de regras claras, também é algo impressionante nos filmes da Marvel, e aqui não é diferente - o que destrói qualquer possibilidade de suspense na história e envolvimento nas cenas de ação (como ficar apreensivo, temer qualquer coisa, ou admirar qualquer virtude num universo onde tudo pode, onde nada tem características sólidas, onde não se tem uma noção de quais são os limites do herói, do que ele pode ou não fazer?). Afinal, não só Deadpool é praticamente indestrutível (ele é desmembrado diversas vezes no filme - às vezes demoram alguns dias pros seus membros crescerem de volta, mas às vezes ele já aparece todo "colado" na cena seguinte), como também há uma máquina do tempo no filme, então mesmo que alguém consiga matá-lo, sabemos de antemão que será possível desfazer tudo num estalar de dedos.

Rand dizia que a arte reflete a soma dos valores filosóficos mais profundos de uma sociedade. Não sei se Deadpool é um bom representante da cultura atual, mas o que quer que ele reflita, não é boa notícia.

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Deadpool 2 / EUA / 2018 / David Leitch

FILMES PARECIDOS: Logan (2017) / Star Wars: Os Últimos Jedi (2017) / Kingsman: Serviço Secreto (2014)

segunda-feira, 14 de maio de 2018

A Noite do Jogo

Comédia sobre um grupo de amigos que se reunem semanalmente pra noites de jogos, mas que em uma noite em particular acabam se envolvendo em um mistério real. É um daqueles filmes onde fica óbvio desde o começo que tudo o que está acontecendo ainda pode fazer parte do jogo, e que no fim poderemos ter a grande "surpresa" de que era tudo uma armação de um deles. O filme se esforça pra deixar o espectador na dúvida, mas o problema é que, quando nós consideramos as 2 possibilidades ao longo da história, percebemos que nenhuma delas teria muita graça: se tudo ainda for parte do jogo, é uma ideia clichê e usada de maneira previsível; já se estiver acontecendo pra valer, então quer dizer que o filme depende de uma coincidência tão forçada que faz o roteiro parecer preguiçoso e irreal.

O filme é dos mesmos diretores do remake de Férias Frustradas, e sofre dos mesmos problemas daquele filme: apesar de bem intencionado, de querer ser uma comédia com um tom leve, onde o humor vem de ideias criativas, do roteiro, de Set Pieces originais (em vez de apelar pra vulgaridades comuns, atores careteiros, etc), é simplesmente um daqueles casos onde falta talento, onde a história simplesmente não é tão esperta quanto tenta parecer, onde as cenas de humor parecem forçadas, auto-conscientes, mal integradas à história...



De qualquer forma, a plateia riu bastante durante a sessão, e o filme está com avaliações positivas no IMDb, no Metacritic, então de repente é uma boa opção pra espectadores menos exigentes que queiram apenas uma diversão passageira, um filme "bobinho", "pra não ter que pensar", etc.

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Game Night / EUA / 2018 / John Francis Daley, Jonathan Goldstein

FILMES PARECIDOS: Férias Frustradas (2015) / Família do Bagulho (2013) / Quero Matar Meu Chefe (2011)

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Vingadores: Guerra Infinita

Vi 2 horas do filme mas acabei me cansando e indo embora meia hora antes do final. Simplesmente me senti perdendo tempo na sala, mais uma vez investindo numa franquia que desde o primeiro capítulo nunca me proporcionou um pingo de prazer ou de satisfação artística, que me parece insípida em todos os aspectos importantes de um bom entretenimento, e que continua a entregar apenas mais do mesmo de forma mecânica, enlatada. Quando vejo esses filmes da Marvel muitas vezes me sinto como um assexual entrando num cinema pornô, ou um ateu atendendo um culto evangélico... A sensação de olhar pra tela e simplesmente não entender qual a graça, como se me faltasse uma glândula extra que todos os outros espectadores tivessem.

Pra mim o problema é que todas as coisas que o filme oferece de "valor" na verdade são fundadas em questões passageiras, superficiais: efeitos especiais grandiosos que parecem sofisticados hoje mas que daqui a 10 anos já serão ultrapassados; a presença de dezenas de astros que estão em alta no momento e fazem o filme parecer imponente, cool, mas que não representarão muito para as gerações futuras assistindo ao filme; o apego que os fãs têm aos personagens por mérito dos quadrinhos ou de filmes anteriores, e não deste filme em particular; e também por uma espécie de auto-afirmação social, da identificação do espectador com uma "tribo" ou uma sub-cultura específica defendida pelo filme (nesse caso a dos nerds), da mesma forma que nos anos 60/70 faziam filmes hippies pra agradar o público hippie, filmes Disco pra quem ouvia música Disco - filmes que hoje em dia em geral parecem péssimos.

Uma das principais marcas de um bom filme é que ele resiste ao teste do tempo, pois o que ele tem de valor está na essência, naquilo que é universal e atemporal na arte (e no cinema, tudo começa com um bom roteiro e uma boa história) não nos elementos secundários. Então filmes assim acabam sendo o equivalente cinematográfico a essas músicas sobre rebolar a bunda que fazem sucesso por alguns meses e podem até proporcionar instantes divertidos na balada, demonstrar algum tipo de "sabedoria pop" e valor de produção, mas cuja pobreza musical a faz cair em esquecimento na temporada seguinte.

Pra quem quiser melhorar essa capacidade de enxergar o que é essencial em um filme e o que é secundário, o melhor exercício é começar a assistir muitos clássicos e filmes antigos em geral. E parar pra pensar por que é que um bom clássico continua impactante hoje em dia... Observar o que ele tem de especial, que erros ele não comete, por que determinadas cenas continuam tocando as pessoas da mesma forma... E por que outros filmes que foram grandes hits em suas épocas (às vezes mais bem sucedidos do que esses que se tornaram clássicos) hoje em dia soam tão datados, pobres, ineficazes, como por exemplo alguns filmes de desastre dos anos 70, que eram repletos de astros e efeitos especiais caros - coisas que podiam divertir o público num nível superficial e lotar salas de cinema - mas que vendo hoje fica claro que sem essas "muletas" o filme não se sustenta tão bem.

Avengers: Infinity War / EUA / 2018 / Anthony Russo, Joe Russo

FILMES PARECIDOS: Capitão América: Guerra Civil (2016) / Vingadores: Era de Ultron (2015)